Quais peças da colhedora de cana e transbordo desgastam mais rápido?
Opa, e aí, produtor! Tudo em ordem com o maquinário?
Quem fala aqui é o seu mecânico "de confiança" do blog. Eu passo meus dias dentro da oficina, com graxa até o cotovelo, e se tem uma coisa que eu entendo é do batente pesado que essas máquinas enfrentam. A colheita de cana não é brincadeira. É poeira, é terra, é pedra, é umidade, e tudo isso moendo o aço 24 horas por dia, 7 dias por semana, na alta temporada.
A gente sabe que máquina parada na safra não é só um aborrecimento, é prejuízo direto na veia. O trator pode estar tinindo, a usina pode estar esperando, mas se a colhedora ou o transbordo "abrem o bico", o dia está perdido. Não estamos falando de R$100, estamos falando de milhares de reais por hora parada.
Muitos donos de máquina focam só no motor, no óleo, nos filtros. Isso é vital, claro. É o coração. Mas na cana, o que mais sofre não é o coração da máquina; é a "pele", os "ossos" e as "juntas" dela. É o que eu chamo de componentes de desgaste.
Eu vejo isso todo santo dia. O cliente chega aqui desesperado: "Minha máquina não tá cortando direito!", ou "O elevador rasgou!". Quando vamos ver, não foi uma quebra súbita. Foi o desgaste comendo solto por semanas, até que o componente não aguentou mais.
Vamos direto ao ponto, sem enrolação, e fazer um raio-X completo: quais são as peças que você precisa ficar de olho para não ter surpresa no meio do talhão?
Separei por máquina para facilitar nossa conversa.
A Colhedora: Onde a Batalha é Real (e Abrasiva)
A colhedora é a infantaria da operação. Ela encara a cana, a terra e o que mais vier pela frente. O desgaste aqui é bruto, uma mistura violenta de abrasão (o efeito "lixa" da terra e da sílica da palha) e impacto (pedras, tocos, cupins).
1. O Sistema de Corte de Base (O "Facão" da Máquina)
É aqui que o primeiro contato acontece. O corte de base trabalha rente ao solo, e "rente" no campo significa "dentro" do solo muitas vezes.
- O que desgasta? Facas (ou lâminas) e os Discos de Corte.
- Por quê? Pense nisso: eles estão girando em alta velocidade e batendo em tudo. Não é só cana; é pedra, toco, e o pior inimigo do aço: a sílica (areia).
- Análise Técnica: Os engenheiros de materiais chamam isso de "desgaste por abrasão de três corpos". É a terra (corpo 1) sendo pressionada pela cana (corpo 2) contra a faca (corpo 3). Ela não só perde o fio de corte, ela literalmente se desfaz.
- Prova Social (A voz da experiência): O "Jão", operador veterano lá da Fazenda Santa Brígida, me contou um truque que ele usa. No começo do turno, com a máquina desligada (pelo amor de Deus!), ele passa a unha na beirada da faca. "Se a unha 'pegar', fizer aquele 'zzzt', o fio tá bom. Se deslizar liso, a faca tá 'cega', 'redonda'. Simples assim."
- Impacto Real: Uma faca cega não corta, ela arranca a cana. Isso faz três coisas horríveis:
- Aumenta o consumo de diesel (fácil, fácil, 15% a mais), porque o motor sofre mais.
- Danifica a soqueira (a raiz que fica), o que prejudica a brotação da próxima safra.
- Aumenta o índice de "arranquio", trazendo mais terra para dentro da máquina (o que desgasta todo o resto).
- Tendência e Solução: Em solos muito arenosos (como no interior de SP), as facas comuns (de aço-mola 1070) às vezes não duram um turno. A tendência é usar facas com revestimento duro, especialmente o Carboneto de Tungstênio. Elas custam bem mais caro na compra, mas onde uma faca normal dura 8 horas, uma de tungstênio pode durar 40, 50 horas. Faça a conta de quantas paradas para troca você economiza.
2. O Conjunto do Picador (O "Paiol" da Qualidade)
Depois de cortada, a cana inteira sobe e passa pelo picador para ser segmentada nos toletes.
- O que desgasta? Facas do Picador (rotativas) e a Contra-Faca (fixa).
- Por quê? Abrasão pura. É um volume gigantesco de cana (e a terra que veio junto do corte de base) passando ali em altíssima velocidade.
- Análise Técnica (O "Gap"): O segredo aqui é a folga, o "gap", entre a faca rotativa e a contra-faca. O manual da máquina pede algo como 0,5mm (meio milímetro). Quando o desgaste "come" a beirada das facas, essa folga aumenta. Com 2mm ou 3mm de folga, ela não "pica" mais (corte limpo), ela "esmaga" o tolete.
- Prova Social (O impacto na Usina): O pessoal da indústria vive reclamando disso. Tolete esmagado é porta aberta para bactéria. Ele perde sacarose (o açúcar) e fermenta mais rápido no transporte. A usina mede isso e penaliza o fornecedor pela qualidade. Ou seja, o desgaste no seu picador bate direto no seu bolso na hora de receber.
- Exemplo Prático: Muitos mecânicos "esquecem" de inverter as facas. A maioria delas tem dois gumes de corte (algumas até quatro!). Quando um lado gasta, você solta, vira a faca, e usa o outro lado. Parece básico, mas já vi muita gente jogando faca fora com metade da vida útil sobrando.
3. O Elevador (O "Hiflow" ou a Esteira da Abrasão)
Essa é, na minha opinião de oficina, a parte que mais sofre com desgaste abrasivo em toda a máquina. O elevador pega os toletes picados e joga lá para cima, no transbordo.
- O que desgasta? As "Taliscas" (as pás que empurram a cana), as correntes de tração e, acima de tudo, as chapas de desgaste (o piso e as laterais do elevador).
- Por quê? Imagine um rio de cana, terra e areia (aquela sílica que veio do solo) passando ali em alta velocidade. É como se fosse uma lixa gigante funcionando sem parar.
- Análise de Materiais (Onde o barato sai caro): O pessoal da oficina, na correria, às vezes solda uma chapa 1020 comum ali no piso. É barato, mas é "manteiga". Em área de alta abrasão, fura em uma semana.
- Opinião de Especialista: Conversei com um engenheiro de materiais outro dia, e ele foi claro: "Para piso de elevador, tem que ser aço de alta resistência à abrasão, com alta dureza. Pense em algo como um Hardox 450 ou similar". A dureza Brinell (a medida de "dureza") desse material é 3 a 4 vezes maior que o aço comum. Custa mais? Sim. Mas dura a safra toda, em vez de parar a máquina 5 vezes para remendo.
- Teste Prático (O "Check do Parafuso"): Não espere o elevador rasgar. A dica de ouro é olhar a cabeça dos parafusos que prendem as chapas de desgaste. Quando a chapa gasta tanto que a cabeça do parafuso começa a "sumir", ficando nivelada com a chapa, é o sinal amarelo. Se o parafuso se for, a chapa solta lá dentro e faz um estrago de R$ 50.000 em minutos, destruindo a estrutura.
4. O Extrator (O "Guardião da Limpeza")
Antes da cana ir para o elevador, o extrator (aquele ventilador gigante) dá uma "soprada" para tirar o máximo de palha e impurezas leves.
- O que desgasta? As Pás do ventilador e o capô (revestimento interno).
- Por quê? A poeira da cana (sílica) e a terra que sobem funcionam como um jato de areia constante.
- Análise Técnica (O Perigo da Vibração): O problema aqui não é nem a pá furar, é o desbalanceamento. A poeira "come" uma pá 50 gramas a mais que a outra. "Ah, 50 gramas não é nada". Amigo, 50 gramas de diferença na ponta de uma pá girando a 1500 RPM vira uma força de quilos! Isso destrói o rolamento do mancal em horas. A máquina começa a tremer inteira.
- Tendência: As máquinas mais novas estão vindo com soluções melhores. Em vez de só aço, estão usando revestimentos cerâmicos ou de polímeros de alta densidade (como o UHMW, um "plástico" industrial super resistente) dentro do capô do extrator. O material "amortece" o impacto da terra e dura muito mais.
No Transbordo: O "Mula" da Operação
Muita gente esquece dele, mas não adianta a colhedora voar se o transbordo quebra a cada duas horas. O desgaste dele é menos por "corte" e mais por carga, impacto e fadiga.
1. O Assoalho (Piso) e Sistema de Descarga
Seja transbordo de esteira ou basculante, o piso sofre.
- O que desgasta? As chapas do assoalho e, nos modelos de esteira, as correntes e travessas.
- Por quê? Primeiro, o impacto da cana caindo da colhedora (às vezes com pedra junto). Segundo, a abrasão na hora de descarregar (a cana "raspando").
- Análise de Caso (O Vício do Operador): Semana passada peguei um transbordo aqui que o operador da colhedora, por vício, despejava sempre no mesmo ponto do transbordo. Fez um "buraco" no assoalho em 6 meses de safra. O correto é o operador da colhedora "espalhar" a carga enquanto despeja, usando o giro do elevador, para distribuir o desgaste (e o peso!).
- Desgaste da Esteira (Específico): Nos transbordos de esteira (tipo o "VUC"), o que mais pega é a corrente. Ela estica com o tempo e a carga (fadiga). A corrente "frouxa" começa a "cavalgar" no dente da roda motriz. Isso dá trancos violentos na descarga e pode quebrar o eixo motriz ou o redutor.
2. Suspensão e Rodeiros (Pinos, Buchas e Eixos)
O transbordo anda com 10, 15, 20 toneladas nas costas, em terreno irregular, pulando em curva de nível, buraco e carreador mal conservado.
- O que desgasta? Pinos e buchas da suspensão (especialmente nos sistemas tandem ou bogie), feixes de mola e pontas de eixo/rolamentos.
- Por quê? Sobrecarga, torção constante e, principalmente, falta de lubrificação.
- Opinião de Especialista (O "Lubrificador"): Tem um ditado na oficina: "Graxa é o seguro mais barato". Um consultor de lubrificação da SKF me explicou uma vez: "Nesses pinos de suspensão, a graxa não serve só para lubrificar; ela serve para vedar". A graxa nova, ao entrar pela engraxadeira (bico), expulsa a graxa velha junto com a terra e a poeira da cana que entraram ali. Se você não engraxa, a poeira fica lá dentro, vira uma "pasta de esmeril" e come o pino e a bucha em uma semana.
- Análise de Pneu (O "Dedo-Duro"): O pneu é o "dedo-duro" da suspensão. Se o pneu do transbordo está desgastando "em escama" (parece dente de serra) ou comendo mais de um lado só, é 90% de chance de ser bucha de suspensão gasta, feixe de mola quebrado ou eixo desalinhado.
O Futuro do Desgaste: O que está Mudando?
A gente falou muito de aço e graxa, mas a oficina moderna está mudando. O foco agora não é só consertar, mas prever.
- Tendência 1: Manutenção Preditiva (Telemetria)
O "feeling" do mecânico está sendo ajudado por dados. As colhedoras mais novas vêm com sensores de vibração e temperatura. O gerente da fazenda recebe um alerta no celular: "Vibração no mancal do picador acima do limite aceitável". A máquina nem quebrou, mas o sensor já "avisou" que o rolamento está indo embora. Eu programo a parada para a noite, troco o rolamento em 2 horas, e a máquina não para no meio do dia. Isso é o futuro. - Tendência 2: Materiais Avançados
Como falei, o aço comum está perdendo espaço. Estamos usando ligas com Boro, Manganês, aços de ultra-alta resistência (Hardox, Dillidur), revestimentos cerâmicos em pó (aplicados com plasma) em áreas de altíssima abrasão, e polímeros (UHMW) onde o impacto é menor, mas a "raspagem" é alta (como nas laterais do elevador).
A Dica de Ouro do Mecânico: Gerenciamento
Amigo, não tem mágica. A cana vai desgastar o equipamento. O segredo não é evitar o desgaste, é gerenciar ele para que não se transforme em quebra.
Para terminar nosso papo, leve isso para a sua operação:
- A Inspeção Diária (O "Check-up de 15 minutos"): O olho do operador é a prrimeira linha de defesa. Antes de ligar a máquina, ele tem que dar a volta nela. Não é só olhar pneu e óleo. É bater o olho nas facas (tem alguma trincada?), olhar a tensão das correntes do elevador, ver se as chapas de desgaste não estão furando. É o "check-up" que salva dias de oficina.
- Qualidade do Material (O "Barato que sai Caro"): Na hora de trocar, especially chapas de desgaste, facas e pinos, não economize na qualidade. O aço "de marca" (alta dureza) custa o dobro, mas dura o triplo. A conta fecha, pode confiar.
- Lubrificação é a Vacina: Ponto de pino e bucha (suspensão, articulações) tem que ver graxa todo santo dia de operação. Graxa nova expulsa a sujeira que come o aço.
Ficar de olho nessas peças é o arroz com feijão da manutenção na cana. É garantir que a máquina rode a safra inteira e que o seu custo de manutenção por tonelada colhida seja o menor possível.
Qualquer coisa, grita. Estamos aqui na oficina, com o café pronto e a chave de impacto na mão.
